O Flamengo triunfou, e Eváglio deixou de ser atleticano para detestar todos os clubes de futebol, que perturbam a vida urbana com suas vitórias. Saindo em busca de táxi inexistente, acabou se metendo num ônibus em que não cabia mais ninguém, e havia duas bandeiras rubro-negras para cada passageiro. E não eram bandeiras pequenas nem torcedores exaustos: estes pareciam terem guardado a capacidade de grito para depois da vitória.
Eváglio sentiu-se dentro do Maracanã, até mesmo dentro da bola chutada por 44 pés. A bola era ele, embora ninguém reparasse naquela esfera humana que ansiava por tornar a ser gente a caminho de casa.
Lembrando-se de que torcera pelo vencido, teve medo, para não dizer terror. Se lessem em seu íntimo o segredo, estava perdido. Mas todos cantavam, sambavam com alegria tão pura que ele próprio começou a sentir um pouco de flamengo dentro de si. Era o canto? Eram braços e pernas falando além da boca? A emanação de entusiasmo o contagiava e transformava. Marcou com a cabeça o acompanhamento da música. Abriu os lábios, simulando cantar. Cantou. Ao dar fé de si, disputava à morena frenética a posse de uma bandeira. Queria enrolar-se no pano para exteriorizar o ser partidário que pulava em suas entranhas. A moça, em vez de ceder o troféu, abraçou-se com Eváglio e beijou-o na boca. Estava batizado, crismado e ungido: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
O pessoal desceu na Gávea, empurrando Eváglio para descer também e continuar a festa, mas Eváglio mora em Ipanema, e já com o pé no estribo se lembrou. Loucura continuar flamengo a noite inteira à base de chope, caipirinha, batucada e o mais. Segurou firme na porta, gritou: "Eu volto, gente! Vou só trocar de roupa" e, não se sabe como, chegou intacto ao lar, já sem compromisso clubista.
(ANDRADE, Carlos Drummond. De conto em conto, v. 2. São Paulo: Ática, 2001.)
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